Alfabetizando na EJA

Leitura, escrita e alfabetização - histórias que se entrelaçam


Todo processo de aprendizagem dos indivíduos é mediado pela escola no momento que entramos nela. E tudo aquilo que aprendemos ou não, anteriormente, será potencializado positiva ou negativamente. Neste cenário – de processos bem ou mal sucedidos até então – se apresentará a leitura e a escrita. Paulo Freire (1986) já nos disse que ler o mundo precede ler as palavras do mundo. Eu diria que escrever as palavras do mundo é resultado da escrita da nossa própria história de vida, que escrevemos com ou sem uma letra sequer, se considerarmos as culturas ágrafas existentes. 

Os nossos traços de identidade, intensamente impregnados das nossas histórias de vida, merecem toda atenção nos processos de aprendizagem da leitura e da escrita do mundo. Sabe-se que ainda hoje estes são visivelmente desprezados pela escola. Muito mais que discutir a definição ou escolher entre a alfabetização e o letramento é importante capacitar as pessoas, sejam crianças, jovens ou adultos, para a leitura e a escrita eficiente no mundo. Mas como aproximar eficientemente os sujeitos dos conteúdos de aprendizagem?

Ler e escrever vai muito além de alfabetizar-se. Ler significa “ler o mundo” sim, e através da leitura desse mundo, o indivíduo deve ser capaz de escrever a sua própria história no mundo, perceber o momento de modificar o seu rumo e lançar estratégias eficazes para que a transformação ocorra, utilizando-se da leitura e da escrita como ferramentas para alcançar o seu objetivo. Ler no mundo é perceber a história de vida como uma história que se entrelaça com a história do próprio mundo, onde residem as relações sociais, culturais e econômicas e, portanto, também passiveis de transformação.

Ao nascerem, as pessoas inscrevem-se na história do seu país que, por sua vez, compõe a história do mundo, assumindo um tempo só seu num mundo perverso em suas relações sociais e produções de conhecimento. E estes mesmos indivíduos, matriculados numa escola, só serão capazes de se transformar e mudar o seu meio social se forem instrumentalizados de maneira sólida, através de um currículo organizado de acordo com as suas reais necessidades. 

A valorização dessas histórias e dos seus entrelaces, precisa ser resgatada pela escola que pretende promover a leitura e a escrita de forma eficiente – a leitura para o mundo. Para que aprendemos a ler se esta leitura não nos permite interpretar as relações que se estabelecem no mundo atual? Quantos de nós somos capazes de entender uma instrução dada somente lendo essa instrução? Nós, professores, provavelmente vamos precisar de duas ou três voltas ao texto. E nossos alunos? Que competência estamos desenvolvendo se a maioria não consegue interpretar uma frase instrutiva, ou um texto simples? 

Estamos presos ainda na transmissão de regras ortográficas e normas gramaticais - que tem a importância necessária ate o ponto que nos fazemos entender pelo outro – e nos esquecemos que o “Word” faz isso por nós! E não venha dizer “– e se nosso computador quebrar, como vamos nos virar?” Te digo: sempre há uma Lan House por perto e os nossos alunos sabem bem disso. Alfabetizar é ensinar a utilizar o Word, pois ele está no mundo, no mundo das relações sociais possibilitando que o indivíduo escreva a sua história de vida através dele, ou outro qualquer que o substitua. 

E mesmo os nossos alunos das classes menos favorecidas economicamente sabem o identificar a relação de poder que existe entre os que sabem utilizar o computador como ferramenta para enfrentar os desafios do mundo atual e os que sequer sabem ligá-lo. Famílias, alunos e sociedade, todos sabem o valor que tem um e-mail, bem contextualizado e fundamentado, enviado como reclamação por um direito não atendido ou violado, ou como agradecimento pelas melhorias na comunidade em que vive. Este é o legado mais valioso da escola para os seus alunos: a leitura e a escrita da vida para a vida, do mundo para o mundo. 

Aprender a ler e escrever tem que ser natural como ser concebido e vir ao mundo. E tanto mais o será se essa aprendizagem estiver em consonância com nossas histórias de vida, distanciada das repetições infundadas, das transmissões sem significantes e significados. É claro que não estamos sós no mundo. E que compartilhar histórias é tão importante quanto viver e relacionar-se com todas as formas de interação social, cultural e econômica. Mas também, e principalmente, opinar, seja através da linguagem oral ou escrita, sobre essas histórias. E a partir da reflexão critica promover mudanças significativas, seja na própria história, ou nas histórias coletivas. 

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Referencial teórico:
- FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 4 ed. Paz e Terra, 1986.

“Leituras e escrituras numa Educação Popular”



A visão que tenho de processo de alfabetização é aquele que é capaz de proporcionar ao educando meios de interagir de forma independente, autônoma e crítica frente ao mundo letrado. Devemos crer que para tanto, este processo deve contemplar o “ir além” das letras, fonemas, palavras e frases soltas e descontextualizadas. Mas o que oferecer aos alunos da EJA?
Na busca do conteúdo vivo – leitura e escrita – o aprendente se depara com a rica diversidade: diferentes tipos de letras, de variados tamanhos e formas e cores. Todos – educando e educador – interagem com as diversas formas de expressão da língua – textos escritos e não-escritos. E fazem as escolhas mais adequadas, tomando de empréstimo do meio o material que precisam e no qual trabalham (com ferramentas precisas e eficazes), para devolver melhor ainda – aquilo que toda a sociedade necessita.
O interesse e o desejo de aprender, tão necessários serem resgatados (GARCIA, 2003); a confrontação dos saberes, da vida prática e os já consolidados no meio escolar, serão otimizados, oportunizando a todos ver o que antes não conseguiam.
O aluno da EJA, aprendente da leitura e da escrita, em sua maioria migrante em cidades “grandes”, traz consigo e carrega para a sala de aula o seu modo de falar, típico das suas origens. E aí se depara com a incompreensão por parte dos professores do seu falar. E não compreende o falar do professor. A comunicação não se estabelece. O processo de aprendizagem da leitura e da escrita se rompe. E rompendo-se acarreta consequências desagradáveis e inesperadas tanto por parte do sujeito da aprendizagem, que na maioria das vezes responde com a desistência, tanto por parte do professor, que se sente impotente. 
Por estarem inseridos numa sociedade letrada, os jovens e adultos, ainda não alfabetizados veem-se cercados de situações onde a escrita e a linguagem oral aparece. Nesta interação os sujeitos vão tecendo hipóteses sobre a utilidade de um e outro texto, e seus funcionamentos, bem como as formas de comunicação.
A nossa dificuldade, enquanto mediadores do processo de aprendizagem é grande em perceber nesse emaranhado de relações, oportunidades em potencial de exploração da relação aluno x objeto x conhecimento. 
A linguagem do aluno constantemente é desconsiderada por nós, educadores, que tentamos, inadvertidamente impor-lhe a nossa linguagem - geralmente aquela que foi moldada nos meios escolares - , pois a consideramos superior, culta, padrão:

“As pessoas sem instrução falam tudo errado” (BAGNO, 2004).

Com ilustrações como essa, Bagno (2004) nos alerta para o preconceito lingüístico que se baseia na crença de que “só existe uma língua portuguesa digna deste nome” e que esta seria a ensinada nas escolas.
Faz parte do senso comum que somente a língua ensinada nas escolas é a correta.
Segundo o autor citado, qualquer manifestação lingüística que fuja do trinômio escola-gramática-dicionário é a incorreta, feia, estropiada, rudimentar, deficiente - “não é português!”
Interessante quando o autor nos mostra o quadro de transformação lingüística: a etimologia de algumas palavras. Neste quadro, vemos que palavras que antes eram grafadas com “L” nos encontros consonantais e hoje são com ”R”. Comumente, somos levados a considerar ignorantes e “atrasados mentalmente” os indivíduos que falam “FRAMENGO” invés de “FLAMENGO”. 
Lançando esta reflexão para o processo de alfabetização dos alunos da EJA, vamos nos deparar com inúmeras questões inerentes ao sistema fonético dos alunos. E, não raro, somos levados pela força do sistema fonético dito padrão, a dizer para o aluno que o jeito que ele fala é errado, é grotesco, atrasado. Se o aluno não consegue se desvencilhar das suas origens fonéticas será marginalizado, excluído. Mas aqui cabe uma pergunta: isto também não ocorre nas escolas para crianças?
Não queremos que o leitor acredite que o aluno da EJA não deva se apropriar da linguagem dita padrão, mas ele precisa ter reconhecida a sua cultura, e se conscientizar de que ela não é inferior a nenhuma outra, mas que a padronização faz-se importante no contexto em que vivemos. 
Pensamos que uma das maiores maldades - ainda que se apresentem no nível da inconsciência - na EJA seja exatamente a desconsideração com a pessoa aprendente. Por que temos tanta dificuldade em lidar com os jovens? Será que sabemos respeitar o seu modo de ser, inerente, peculiar à fase da vida em que se encontra? E os mais velhos? Conseguimos alcançar, respeitar e valorizar as suas experiências, ou nos portamos de maneira intolerante, desconsiderando suas verdadeira histórias: “— Ih, já vem ele novamente com esta história!".
Acredito ainda, que a prática de uma Educação Popular hoje, amparada e coerente com as contribuições advindas de tendências filosófico-pedagógicas atuais; analíticas crítico-reflexivas, pode nos ajudar, enquanto agentes educadores no sentido amplo a obter êxito no propósito aqui defendido.
E se conseguirmos – sempre junto com os educandos – buscar no próprio meio social – na comunidade local real, concreta – as diferentes formas de uso da escrita e refletirmos sobre elas sob o enfoque da construção de conceitos, será um passo gigantesco na luta em prol do que queremos.
É fundamental que pensemos sobre estas questões. Elas perpassam não só pela EJA, mas por toda educação da classes populares, até mesmo em nossos lares e em outras inter-relações sociais que estabelecemos.
Traçar caminhos, junto com os alunos, que os levem a compreender o sistema de escrita e da linguagem oral, bem como os seus usos no meio social é tarefa primordial no processo de aquisição da leitura e da escrita.

Boas Inspirações a todos e todas!

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