Como trabalhar um mesmo conteúdo com diferentes níveis de aprendizagens em sala de aula?

(grupo de alunos meus em classe de alfabetização realizando atividade diversificada enquanto eu atuo numa intervenção mais direta com outro grupo em atividade de leitura e escrita individual)
Uma leitora me enviou a pergunta acima e sei que a questão se constitui, em minha opinião, num dos maiores desafios a serem enfrentados numa sala de aula alfabetizadora.

Já sabemos que cada ser aprendente (o aluno em fase de alfabetização, seja criança, adolescente ou adulto) carrega consigo, para onde quer que vá, a sua história de vida. E ao longo desses vinte aninhos recém completados no magistério (oficiais, pois se considerar os oficiosos, vai bem mais longe ainda) posso dizer com grande conforto que é na sala de aula, onde reside o nosso olhar atento e a nossa escuta sensível, como diz a minha eterna mestra querida, a Prof. Dra. Paula Cid Lopes, que essa história de vida se revelará em capítulos cheios de aventuras e emoções - muitas emoções, diga-se de passagem.

De história em história, todos nós vamos tecendo o nosso aprendizado ao longo da vida. E como trabalhar em sala de aula o mesmo conteúdo para um grupo de alunos com histórias tão diferenciadas de aprendizados?  Vou tentar descrever como encaminho o trabalho com classes de alfabetização em relação aos diferentes níveis em que se encontram os alunos em fase de alfabetização.
Sim, mesmo aqueles de tenra idade já trilharam caminhos repletos de aprendizagens. Este caminhar representa o que hoje é chamado por alguns de letramento. Afinal, vivemos numa sociedade letrada, não é mesmo? Como concebermos então que um indivíduo possa chegar ao nosso "mundo alfabetizador", cuidadosamente projetado por nós em nossa sala de aula, sem um pré-conhecimento ou mesmo um conhecimento já adquirido acerca da leitura e da escrita?  Primeiro passo, penso, é considerar a tão falada "bagagem" que o aluno traz consigo para a sala de aula. Mas como fazer isso? Como lidar com tantas bagagens ao mesmo tempo? E o principal de tudo, como não permitir que esta bagagem se perca no meio do caminho, ou já no início dele, e proporcionar que ele se aprimore cada vez mais?  É exatamente isso parte do que a leitora traz para a nossa discussão.

Um bom DIAGNÓSTICO INICIAL (não conheço outro caminho eficaz que atenda ao propósito de respeitar esse conhecimento aqui já falado). Esse diagnóstico se traduz numa sondagem acerca do que os aprendizes não sabem ainda, ou seja, a identificação do problema para uma prescrição adequada do "medicamento" para cada caso. Por favor, não vamos confundir mendicamento, utilizado aqui propositalmente, com medicalização, tão prejudicial aos nossos alfabetizandos:
"- Esse não aprende mesmo. É muito desatento, precisa visitar um médico que o receite um remedinho que o arranque, à força, dessa condição!
O que pretendo ao utilizar esse termo é fazer um paralelo com aquilo que SUPRE AS NOSSAS NECESSIDADES, seja enquanto ensinantes (professores angustiados e ansiosos por bons resultados), seja enquanto aprendentes (alunos que precisam adquirir conhecimentos).  Quando visitamos um consultório médico e dizemos que estamos com dor de barriga, entramos e saímos de lá certos de que a medicação prescrita será aquela que nos curará das dores ou ao menos nos aliviará dela. Daí a importância do diagnóstico preciso e eficaz.  

Assim também deve ser feito em sala de aula. Diagnósticos realizados em períodos pré-definidos (bimestral ou trimestralmente, por exemplo). O que importa mesmo é identificar o que o aluno ainda não consegue fazer sozinho para que possamos oferecer as ferramentas adequadas (informações e reflexões para ser mais precisa) que o levem a aprender para atingir os OBJETIVOS TRAÇADOS ao longo do processo de alfabetização.


A partir dos resultados obtidos com as sondagens, é que costumo traçar as estratégias para atingir os objetivos para o ano letivo - AQUISIÇÃO DA LEITURA E ESCRITA.  Também não conheço outra estratégia mais eficaz do que um trabalho com GRUPOS diferenciados. Gosto de trabalhar com grupos flexíveis, ou seja, ora os alunos são agrupados de acordo com os seus níveis de alfabetização (aquisição da leitura e da escrita, bem como do uso correto dessa aquisição - "o que eu faço com o que já aprendi"), ora agrupados de forma que uns sejam colaboradores em relação aos outros. Isso dependerá do objetivo específico que pretendo atingir com cada atividade e do tipo de atividade que estou desenvolvendo para atingir aquele objetivo, pois inúmeros são os caminhos, como bem sabemos. Vou tentar exemplificar:


Numa atividade de leitura de uma parlenda para memorização e posterior montagem por frases, depois por palavras e depois por fonemas (frase e palavra-chave escolhidas), o primeiro momento será a oralização do texto por mim e, então, todos participam coletivamente, num só grupo (todos trabalham o mesmo tema/ assunto/ conteúdo).  Mas no segundo momento, que será a leitura oralizada por mim, mas com acompanhamento e APONTAMENTO pelo aluno (com ajuda do dedo, que é um auxiliar na identificação da relação fonema/grafema e grafema/fonema) preciso que uns (os que se encontram em níveis mais avançados) colaborem com outros para que estes recebam a ajuda que necessitam, uma vez que não posso auxiliar a todos ao mesmo tempo e da forma que cada atividade exige.

(alunos do 3º ano do EF em escola pública)
Então, neste caso os grupos serão mesclados por mim com muito cuidado, de forma a garantir que todos desenvolvam a atividade. O terceiro momento (e num outro dia, se possível) estará voltado para uma releiturização feita por mim e com acompanhamento dos alunos, e novamente será feita coletivamente. Logo em seguida, através do blocão, os alunos deverão apontar e marcar/ circular utilizando o lápis de cor ou um marcador de texto (solicitado no início do ano letivo) algumas frases ditadas por mim e mais uma vez, os grupos serão de cooperação.


As diversas atividades se desenvolverão exigindo formação variada de grupos até que todos trabalhem de forma independente, ainda que existam alunos que necessitem de ajuda constante. Haverá um momento em que estes estarão reunidos para uma atividade de intervenção direta de minha parte ("teti-a-teti"). Nessa hora os já que atingiram os objetivos, agrupados por semelhança de níveis, estarão sendo desafiados, a aprofundar o conhecimento que já possuem, por exemplo, se a parlenda fala sobre peixes eles deverão pesquisar e fazer anotações de nomes de tipos de peixes encontrados em água doce e água salgada. Os que se encontram no "caminho do meio", poderão se envolver em atividade de ilustração significativa do texto trabalhado fazendo pequeno registro a partir dos seus desenhos (pequenas frases/ ou algumas palavras/ ou até uma palavra, dependendo do grau de autonomia).

A REESCRITA INDIVIDUAL da parlenda (de memória) é combinada com antecedência e os alunos levam para casa o texto disposto numa folha de papel (geralmente digitado em letra bastão  e fonte grande). É uma atividade que proponho ao final do mini-projeto (tema trabalhado), pois até lá já pude trabalhar as FRASES/ PALAVRAS/ FONEMAS-CHAVE de diversas maneiras e, ainda, a própria reescrita coletiva do texto (os alunos falam e eu escrevo no blocão, que ficará exposto na sala de aula por algum tempo). Dessa forma, acredito que consigo proporcionar uma reescrita individual mais eficaz.

A atividade de reescrita individual do texto trabalhado normalmente dura uma semana (um dia para cada grupo) e é sugerida a todos, uma vez que cada um escreverá de acordo com a sua concepção de escrita, ou seja, amparando-se em suas hipóteses elaboradas para a construção da escrita (ver um pouco mais sobre isso em: Caracterização dos alunos nos níveis de aprendizagem da leitura e escrita e Processo de aquisição da leitura e da escrita - por Emília Ferreiro.  Mas eu costumo solicitar a atividade a um grupo por vez. Enquanto os outros alunos estão em outras atividades, como jogos ou desenhos, previamente combinadas com todos para que estes "não atrapalhem" aqueles que estão em atividade de produção de escrita.

Sei que cérebros devem estar fervilhando neste momento, mas é assim que o meu fica também sempre que me debruço sobre as escritas dos meus diversos alunos nos seus diversos níveis de desenvolvimento da aprendizagem da leitura e da escrita.

Boas Inspirações a todos e todas!

2 comentários:

  1. Grande educadora!!! Que prazer ler essa partilha e aprender com uma pessoa tão envolvida e apaixonada pela educação! Parabéns! O texto está maravilhoso!!!

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  2. Agradeço as palavras e o carinho. A recíproca é verdadeira. Abç.

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