As falas da família e as memórias sobre a alfabetização II



(Foto de Cristiane Silva. In: Bienal 2009)

Larissa, Professora e Pedagoga, revive sua história e nos envia suas memórias. É um relato cheio de vida e que certamente irá emocionar aos caros leitores, envolvidos com a arte de alfabetizar.
NÃO DEIXE DE COMPARTILHAR CONOSCO SUAS LEMBRANÇAS. 
Forte abraço a todos e todas!


(Amigaaaaaaaaa, essa é vc???  Q história linda! Mas fico até "sem graça" de contar a minha... rs)

"Lembro-me muito pouco... mas era tudo muito diferente... Tb era a menininha calada e isolada num canto da sala, os professores não acreditavam qd meu pai contava todas as artes que aprontava em casa. Era um meninão em casa, que não deixava meu pai cozinhar o chamando para jogar bola. Meu pai cuidou da casa e das 3 filhas muitos anos, por estar desempregado, enquanto minha mãe trabalhava.

Ninguém entendia pq era tão calada na escola, tão desorganizada, "avoada", nunca sabia qual o caderno era para pegar e nem se tinha trabalho de casa. Incansavelmente, ou cansavelmente, não sei, escutei: Você é irmã da Laila??? Não acredito! A Laila era tão organizada e tinha uma letra linda. Como estudávamos na mesma escola e minha irmã Laila era apenas uma série a minha frente. Pegava todo ano a professora que era dela. E todo ano era a mesma tortura!
Em casa minha mãe nunca entendia pq eu não gostava de ler, se dava a mesma educação e estímulo às filhas, e Laila lia enquanto eu jogava creme-rinse (era assim que se chamava condicionador na época) no chão do box para Laila cair, rabiscava as bonecas, destruía a casa de bonecas feita pelas primas na bananeira...

Qd minha mãe ia arrumar minha mochila então... Nossa! Ela sempre encontrava caneta hidrocor sem tampa e a mochila jeans manchada com a mesma cor da mancha dos cadernos, agenda, novo testamento... Tinha ali farelo de biscoito, umas 4 maçãs, no mínimo, podres e tudo que se pode imaginar... Era um desespero!
- Relaxada! Preguiçosa! Porca!

Ouvi isso toda a infância, adolescência e ouço até hj, mas agora adulta a corrijo:
- TDA, por favor!
É... por ser quieta, e não atrapalhar as aulas, minhas professoras não viam transtornos em mim. Não tive a mesma sorte que a sua. Fui internalizando isso e realmente me achava a porca, a filha burrinha. Mas eu sonhava tanto. Sonhava acordada, sempre com futuro, com tudo que via. Hj, 28 anos, continuo assim, estou sempre pensando em milhões de coisas ao mesmo tempo. Não dá pra parar, e isso cansa... Dormir então, é se cansar mais, os sonhos são sempre tão intensos, malucos, são vários, muitos, muitos, muitos sonhos numa mesma noite de sono. Acordo durante à noite para ir ao banheiro e beber água, o meu corpo exige isso!
No primário ficava brincando com o estojo. Tinha aquele que cada botão que se apertava saía uma coisa: tesoura, apontador, gaveta... As BICs eram bonecas barbies. Sabe aquela tampinha? Era o cabelo de rabo de cavalo. Tudo me distraía. As notas, regulares à péssimas. Minha mãe ficava desesperada.
- Como uma filha minha pode ficar em recuperação na 2a. série, hj intermediário?
Filha mais nova de três "INTELIGENTES", dava nisso.
Hum! Me lembrei agora da avaliação de leitura no C.A. Não sabia o som do H inicial, a professora e a coordenadora me explicavam diversas vezes, mas não conseguia compreender... rsrsrsrs
E a tabuada??? Hum... essa aí era um horror. Ao contrário de vc não entendia pra q decorar se era só olhar no papel. Minha mãe, coitada... Colava cartazes com tabuadas em pontos estratégicos da casa. Qd eu sentava no vaso sanitário, estava o cartaz na minha frente. Se deitava na cama, acredite! Ele estava lá, colado no teto. Os números saiam do lugar dançavam, caiam, brincavam comigo, mas cantar a tabuada, só qd ela gritava:
- Quero ouvir daqui!
rsrsrsrsrsrs
A conta de dividir fui aprender apenas na 5a. série. Na 2a. vez que fiz a 5a. série. Passei em todas as matérias e fiquei em mat, por mais de 4 pontos. Fiz prova final, recuperação e nada. Deram a chance de 2a. época. Já ouviu falar nisso??? Passei todas as férias de 1990 estudando com professora particular.

O dia que fugi para ir à Colônia de férias do SESC, era o dia de piscina, tomei uma surra de escova de pentear cabelo. Bom, fiz a 2a. época, mas não passei. A prova foi a idêntica a que estudei na explicadora, ela tinha conseguido do ano anterior daquela mesma escola. Tentava me fazer decorar o resulatdo. rsrsrsrs Não é que errei quase tudo... A madre responsável chamou meus pais para conversar para q eles decidissem se eu passaria ou não. Meus pais optaram por não. Falaram que eu era do meio do ano (junho) e esses 6 meses estavam fazendo a diferença em minha maturidade. Fiquei P... Fiquei certa de q não gostavam de mim. Q era realmente o patinho feio que os familiares falavam, a pestinha, a criança achada no lixo.
E as produções? Falatava o final do parágrafo, mudava de assunto antes de concluir. Meu Deus! Pq g e j, s, ç, e c, s e z, x e s, m e n, tudo com o mesmo som? Era um tormento meus erros ortográficos.
Então as coisas começaram a melhorar qd repeti o ano. Já com 12 anos comecei a entender toda aquela confusão de pensamento e falta de organização como características da minha personalidade e que estava na hora de mudar... Comecei a me cobrar, a ficar popular na escola e a estudar todos os dias da minha vida. Como cobrança. As críticas familiares mudaram. Agora era: Como a Larissa é inteligente! Eu dizia:
- Não! Inteligente não! ESFORÇADA!!! Vcs não tem noção de qt força boto nisso!
E fui uma das melhores alunas da turma. Qd decidi ser professora, me obriguei a ler. Pensava: é inadmissível uma professora q não gosta de ler... E as coisas foram fluindo. Apostei com minhas irmãs que passaria para CEFET. Não passei e fui "zoada" durante todo o 2o. grau por elas. Só pararam qd apostei que passaria para UERJ. Riam tanto. Fiz, sem pré-vestibular, sem matemática, física, química e biologia de 2o. grau. Passei para a 2a. fase. Ninguém queria voltar de viagem para eu fazer a prova. Minha irmã mais velha falava: Mas pai, ela não vai passar mesmo! Isso me dava uma força incrível para estudar, passei dezembro inteiro debruçada em livros, isso num sol de lascar dentro de uma casa quente de praia.
Passei! E conclui! Quis continuar... quero... Mas não entendia mais o pq de tanta dificuldade. Hj trabalhando, como professora, vivo louca com atividades para corrigir, elaborar, prazos de entrega. Faço cursos, palestras, participo de Congressos, mas com um esforço fora do comum. Esqueço meus compromissos, esqueço de contas importantes a pagar, sempre numa velocidade enorme de pensamento. Tenho muitas ideias, poucas consigo colocar em prática, tô sempre elaborando... dizem que sou criativa. E responsável tb. Qd escuto que sou organizada, digo: Tento! Tento!
Hj lendo e pesquisando sei que sou uma adulta TDA, sem hiperatividade física. Sou feliz! Muito feliz! Sei que conquistei muitas coisas, mas sei tb que quero conquistar muito mais, mas preciso de ajuda, procuro ajuda...
Minha mãe não sabia disso, faltava informação naquela época. Hj sabe e procura me entender.
Um adulto TDA entende suas confusões como parte da personalidade. As pessoas que convivem cmg, ou me amam, por entenderem meu jeito esquecido, grosseiro, impulsivo e entrão de ser, ou me odeiam... rsrsrsrs".


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita! Deixe sua crítica ou sugestão, ela é muito bem vinda.

Compartilhando Saberes e Afetos

Compartilhando Saberes e Afetos
Formação Pedagógica, ideias e informações

Solte a sua voz!

Nome

E-mail *

Mensagem *

Acesse os nossos Canais

Acesse os nossos Canais
Aponte Leitor de Código QR

Relato de Experiência - Diálogos em Arte-educação

Uma experiência no Museu Oi Futuro, RJ.